domingo, 13 de fevereiro de 2011

UMA QUESTÃO DE PONTO DE VISTA



POETAS E CRIANÇAS DIANTE DA BÍBLIA
*Pr. Edivaldo Rocha

Um analista narrou a cena de uma senhora que o procurou em seu consultório. Acompanhem o relato do analista:
“Ela entrou, deitou-se no divã e disse: ‘Acho que estou ficando louca’. Fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. ‘Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões — é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas.
Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto’.
       Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", (livro de poesias) de Pablo Neruda. Procurei a ‘Ode à Cebola’ e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas” (A complicada arte de ver de Rubem Alves)... Diante de uma caixa de utensílios domésticos um adulto contempla uma caixa de ferramentas e uma criança, uma caixa de brinquedos. Tudo é uma questão de ótica.
             Certo domingo ao concluir Sermão, fiz a seguinte pergunta: “o que você enxerga quando lê a Bíblia”? Percebi que a igreja foi tomada por alguns segundos de silêncio absoluto. Com certeza essa foi uma pergunta inquietante.
Quando ouvimos uma pergunta como essa, talvez a primeira reação que possamos sentir, seja a de raiva do pastor por ter dito algo desse tipo. Mas passada essa emoção acredito que possamos refletir acerca do que foi perguntado. Pois a nossa compreensão de Deus sofrerá sérias variações, boas e ruins, baseadas na forma que o enxergamos na Bíblia.
            Há uns dias retornei a uma passagem Bíblica que sempre me causara a impressão que algo não encaixava. Mesmo já tendo pregado várias vezes sobre essa passagem sempre tive a impressão que faltava algum detalhe que não tinha percebido. Então acompanhem comigo a passagem de Mt 6:2-34:
“Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? 26Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? 27Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? 28E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. 29Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. 30Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? 31Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? 32Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; 33buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. 34Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal”.
            Sempre que essa passagem é lida ela recebe uma entonação como se Jesus estivesse repreendendo seus discípulos. É bem verdade que se fizessem estudos para constatar o perfil psicológico de Jesus, a partir da leitura feita pela igreja cristã ao longo dos séculos, seria constatado um Jesus neurótico e perseguidor, ou no mínimo um indivíduo amargurado. Parece que para a igreja, Jesus está o tempo todo dando “paulada” nos seus ouvintes.
Esse trecho de Mateus 6:26-34 é um perfeito exemplo disso. Quantas vezes eu mesmo não levantei o dedo e gritei “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus”, quando na realidade parece que Jesus não fez nada disso.
Digo isso porque ao contemplar as comparações que Jesus faz com as aves do céu e com os lírios dos campos, vi outra face de Jesus muitas vezes escondida pela leitura que fazemos da sua mensagem.
Precisamos lembrar onde Jesus estava e com quem ele estava para entendermos algumas coisas próprias dessa passagem. Ele estava em um monte, cercado por pessoas que queriam de coração segui-lo por acreditarem que ele realmente era o filho de Deus. No meio dessas pessoas estavam pais e mães de famílias, estavam moças virgens esperando seus noivos e seus casamentos; estavam pessoas que trabalhavam muito para sustentarem suas famílias.
Jesus naquele momento chama aquelas pessoas para deixarem tudo que tinham para segui-lo. É natural imaginar que um pai de família pensasse, “como darei de comer a minha esposa e meus filhos”? De que vou viver se seguir este homem? Mas ao mesmo tempo o coração deles ardia por acreditarem fielmente que Jesus era o Messias.
Eu vejo Jesus olhando para aquelas pessoas e percebendo a aflição e temor em seus olhos. E como um pai conforta o filho que está apavorado, ele aponta para as aves do céu e diz mansamente: “estais vendo aquelas aves? Elas não plantam, nem semeiam, mas mesmo assim Deus provê o alimento que elas precisam. Olhem para as plantas do campo. Que rei conseguiu se vestir com tamanha formosura? Vocês são mais importantes que as aves do céu e as plantas do campo. Busquem em primeiro lugar a Deus e ele cuidará das suas necessidades.
Os exemplos delicados como as aves do céu e lírios do campo não encaixam com a entonação agressiva e rude que muitos crentes e pastores dão a leitura dessa passagem reconhecida como uma das passagens mais belas de toda a Bíblia, a saber o Sermão do Monte.
Vários olhares são direcionados à Bíblia. Há pessoas que olham para a Bíblia com as mais variadas intenções. Quando Deus chamou Moisés, lhe perguntou o que tinha nas mãos. Moisés respondeu que era uma vara. Com essa vara Moisés poderia agredir os egípcios, ou ele poderia se defender dos egípcios. Mas Moisés usou aquela vara para conduzir o povo para a liberdade. Do mesmo modo acontece com a Bíblia; ela pode ser usada para agredir os outros; ela pode servir para nos defendermos dos outros; ou pode ser usada para libertar as pessoas. Jesus disse: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Jo 8:32)”.
 No culto de gratidão pelo aniversário da MCA da Igreja Batista em Camutanga- PE, o pastor Eliabe comparou a mensagem apresentada com uma poesia. Isso me deixa muito lisonjeado. Mas quem dera Deus realmente nos desse olhos de poetas para perceber que a Bíblia não é algemas nem correntes que aprisionam as pessoas.
Quem dera Deus nos desse olhos de crianças para perceber que a Bíblia é na realidade a chave que abre as portas das cadeias e desata as algemas permitindo que o ser humano se torne livre.
Quem dera Deus nos desse olhos de poetas e olhos de crianças para podermos mensurar o tamanho do seu amor por nós e do mesmo modo repassá-lo a quem nos cerca. Porque tudo é uma questão de ótica.
Caro ouvinte, o que você enxerga quando abre sua Bíblia? Saiba que a Bíblia apresenta o relato de um Deus de amor, que nos ama tão intensamente que se ofereceu por nós. O que me causa muita estranheza é perceber que muitas pessoas abrem suas Bíblias e não enxergam isso: que Deus é amor e sua mensagem é uma mensagem de amor. Pense nisso e olhe para sua Bíblia com outros olhos. Amém!

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